Como funciona uma tradução da Bíblia e como escolher a melhor versão
Publicado em 03/01/2023
A Palavra de Deus é viva e eficaz, é mais penetrante que uma espada de dois gumes, mas ela só penetra o coração daqueles que a leram em sua língua materna e passaram a compreender. Como Plummer sugere em oração: “Deus vivo, ajuda-nos a ouvir tua santa Palavra com os corações abertos para que possamos entender verdadeiramente, e, entendendo, possamos crer; e, crendo, possamos seguir com toda fidelidade e obediência, buscando tua honra e tua glória em tudo que fazemos”. Fica claro que ler e entender é parte essencial da vida de um cristão. Fica a pergunta: qual tradução de Bíblia devo utilizar para fazer meus devocionais? Qual versão os pastores normalmente utilizam nas pregações? Essas são dúvidas genuínas, por isso quero te ajudar a entender um pouco mais como funcionam as traduções e como você pode decidir por uma versão da Bíblia em português.
É importante ter conhecimento de que no cânon bíblico temos 66 livros que compõem a Bíblia protestante, originalmente escritos em três línguas diferentes: hebraico (a maior parte do Antigo Testamento), aramaico (língua irmã do hebraico, usada em boa parte de Daniel e em duas passagens de Esdras) e grego (todos os escritos do Novo Testamento). Neste texto iremos tratar especificamente sobre o texto do Novo Testamento, pois é nele que temos o maior número de discussões a respeito das traduções.
Os manuscritos que temos preservados dos séculos III e IV (os quais são os mais antigos) são chamados de Texto Crítico, e a outra porção que temos dos séculos VIII, IX e X (a qual existe em maior quantidade) é chamada de Texto Majoritário. A pergunta que surge é a seguinte: qual dos dois tipos de texto é o mais fiel aos originais? Aqueles que são mais antigos (texto crítico) ou a maioria (texto majoritário)?
Nesse momento é importante dizer que nós não temos os escritos originais (aqueles usados pelos apóstolos e lidos nas igrejas do primeiro século) devido ao desgaste, de tanto eles serem usados para se fazer novas cópias. Há especialistas na área de manuscritologia bíblica que irão dizer que o Texto Majoritário é o melhor, ou seja, fiel ao original, pois contém a maior parte dos manuscritos. Já sobre o Texto Crítico há duas teorias, uma positiva e a segunda negativa. Por que esses textos mais antigos foram preservados? Eles seriam uma espécie de porção de manuscritos ruins? Pois, em vez de serem usados para se fazer novas cópias, foram “preservados”, ou melhor dizendo, foram deixados de lado, então preservados? Ou eles foram preservados porque eram fiéis aos originais? Você poderia adotar qualquer uma das duas teorias sobre o Texto Crítico e até mesmo decidir que o Texto Majoritário é o mais fiel. Seja decidindo-se por um, seja por outro, não há perdas para a fé quando se trata da diferença entre as duas disputas.
A Sociedade Bíblica do Brasil utiliza em quase todas as traduções o Texto Crítico. Na Almeida Revista e Atualizada (ARA) usa-se o Texto Crítico, na Almeida Revista e Corrigida (ARC) utiliza-se o Texto Majoritário. A Nova Versão Internacional (NVI) e a Nova Tradução na Linguagem de Hoje (NTLH) fazem uso do Texto Crítico. Já a Almeida e a Almeida Corrigida e Fiel (ACF), traduzidas pela Sociedade Trinitariana, utilizam o Texto Majoritário.
Ainda comentando sobre as diferenças entre o Texto Crítico e o Texto Majoritário, as maiores são: 1) final de Marcos 16; 2) trecho da mulher adúltera no final de João 7 e início do capítulo 8; 3) 1 João 5, em que se fala do testemunho sobre a Trindade. Entretanto, as três passagens não interferem em nenhuma doutrina ou na base da fé cristã. Podemos defender a Trindade utilizando outros trechos das Escrituras, e não apenas 1 João 5. A Grande Comissão em Marcos 16 pode ser vista em outros Evangelhos; sobre os sinais e prodígios, os vemos em Atos. A respeito da mulher adúltera, essa passagem não prova nada que já não exista em outro lugar das Escrituras.
Bem, agora que você leu um pouco sobre o assunto (porque eu sei que pode parecer confuso, por isso te peço que releia para entender), precisamos falar sobre as teorias de tradução; assim, você poderá entender quais escolher.
Há alguns métodos de tradução, dentre os quais os tradutores precisam escolher na hora de sentarem para fazer este trabalho:
É a tentativa de manter o texto-alvo, ou seja, o texto em português, bem próximo da “forma” do hebraico e do grego, tanto em relação às palavras quanto em relação à gramática, de um modo que possa ser facilmente entendido na língua-alvo, ou seja, a língua para a qual se traduz um texto, em nosso caso, o português (aqui, texto-alvo e língua-alvo são o mesmo). Quanto mais próximo o texto-alvo (ou seja, a tradução em português) estiver das línguas hebraica e grega, mais próximo estará da teoria da tradução descrita muitas vezes como “literal”, como alguns irão dizer: “essa palavra é exatamente (ou literalmente) o que está no original”. Traduções baseadas na equivalência formal manterão intacto o distanciamento histórico, ou seja, as diferenças que existem entre a língua-fonte (que são os textos originais) e a língua-alvo (que seria o nosso português), tanto no que se refere a palavras, gramática e idioma, quanto no que se refere à cultura e à história.
É a tentativa de manter o significado do hebraico ou do grego, porém traduzindo palavras ou expressões de acordo com o modo como as pessoas se expressam em sua língua. Sendo assim, quanto mais os tradutores estiverem dispostos a abrir mão da equivalência formal e optar pela equivalência funcional, mais próximo se estará de uma teoria da tradução frequentemente descrita como “equivalência dinâmica”. Esse tipo de tradução mantém o distanciamento histórico em todos os assuntos históricos, mas “atualiza” questões de linguagem, gramática e estilo.
Há também um terceiro método, que não é muito bem-visto, chamado de tradução livre, ou seja, é a tentativa de traduzir ideias de uma língua para outra, com uma preocupação menor de usar as palavras exatas do original. Uma tradução livre, algumas vezes também chamada de paráfrase, tenta eliminar tanto quanto possível o distanciamento histórico e ainda tenta ser fiel ao texto original.
Nós entendemos que a melhor teoria da tradução é aquela que permanece tão fiel quanto possível à língua-alvo e à língua-fonte, mas, quando houver necessidade de ceder, deve-se priorizar a língua-alvo (nosso português), sem desprezar o significado da língua-fonte (o hebraico, aramaico ou grego), pois o grande objetivo da tradução é tornar os textos antigos acessíveis para os falantes de uma determinada língua-alvo que não conhecem as línguas originais.
Abaixo fizemos uma tabela para que se tenha noção de algumas traduções que temos hoje e quais os métodos utilizados.
É importante chegar nesse ponto e olhar para o gráfico acima e entender que há pontos positivos e negativos. Você pode acreditar que seja um ponto negativo utilizar uma linguagem arcaica, pois ela não consegue conversar com a realidade do século XXI. Ou poderia dizer que uma linguagem mais atualizada seja tão informal que desvaloriza pontos centrais do cristianismo. Entretanto, podemos concordar no desserviço, ao Evangelho, das Bíblias que tentam colocar gírias e até palavrões, dizendo que, dessa forma, são mais fiéis ou mais contextualizadas.
Em culto público, normalmente temos pastores e dirigentes utilizando uma linguagem mais conhecida pela Igreja brasileira, como a Almeida Revista e Atualizada (ARA) ou a Almeida Revista e Corrigida (ACF) ou Corrigida Fiel (ACF), mas nem sempre são traduções de compreensão dita popular. Ao extremo disso, temos a Nova Tradução da Linguagem de Hoje (NTLH), que tem o objetivo de simplificar para que leigos, até mesmo aqueles sem pastoreio, tenham uma compreensão do que foi dito aos antigos.
Traduções mistas buscam manter a formalidade das palavras e termos teológicos, ao mesmo tempo que facilitam ao utilizar pronomes como “você” no lugar de “tu”, “vós”. No entanto, preservam textos poéticos e de sabedoria com a utilização mais formal da língua portuguesa por entenderem que se trata de um gênero de texto que precisa da beleza da escrita mais formal.
Em nossa igreja local, IBRPV, fazemos, não como parte da liturgia do culto, a Leitura Orante (Lectio Divina), a qual consiste em ler as Escrituras para ouvir a voz de Deus impressa na Palavra e respondê-lo em oração. Para o processo da leitura orante – oração pedindo a Deus por iluminação do Espírito Santo para a leitura; leitura do texto; momento de meditação, contemplação; e, então, oração de resposta à leitura -, é necessário compreender, sem esforço, o que se está lendo. Por isso, incentivamos aos irmãos o uso de traduções da Bíblia que os permitam compreender uma frase sem que se fique preso tentando descobrir seu significado. A exemplo disso estão a Nova Almeida Atualizada (NAA), a Século XXI e a Nova Versão Internacional (NVI).
Na Leitura Orante o leitor precisa se ater ao que é dito sem nenhum esforço ao significado. Não é um momento para se tentar descobrir verdades ocultas na passagem, mas sim para se ser levado por aquilo que está explícito no texto, da mesma forma que um momento de meditação nas Escrituras exige um tempo maior de dedicação ao que foi dito.
Escolher uma Bíblia é tarefa importante para o cristão que tem uma vida comprometida de maneira pública com a igreja local (participando do culto e reuniões), mas que também exercita seu cristianismo de maneira particular. Por isso, recomendamos que tenha sempre mais de uma versão da Bíblia em português disponível, pois pode ser útil para momentos de leitura orante e meditação, bem como para acompanhar em uníssono a comunidade local na leitura e participação do culto público. Seja qual for a sua escolha, e esperamos que seja dentro daquelas que recomendamos, seu objetivo ao escolher uma Bíblia deve ser ouvir Deus falando por meio da Sua Palavra. A Deus rendemos glória por nos dar uma língua e falar com os homens.