O ofício esquecido da esposa do pastor

Uma Grande Tarefa, Uma Gloriosa Obra.
Publicado em 03/01/2023

Um dom?! Entendo e defendo que ser esposa de pastor é quase que um dom.

Não me refiro aos dons que encontramos nas Sagradas Escrituras, para a edificação do corpo de Cristo, a Igreja do Senhor, mas um dom no sentido mais restrito da palavra. Algo mais, digamos, singular e pessoal, não dado à edificação de todo o corpo, mas à edificação e retaguarda de um esposo que está à frente da batalha diariamente, em dias laboriosos, difíceis, cansativos; e mesmo sendo um privilégio sem fim ser um ministro do Evangelho, é exaustivo e lhe tira a vida e a saúde a cada dia (1 Co 4:9-13).

Não estou aqui tentando fazer juízo de valores, todavia, penso também que ser esposa de pastor exige muito de sua pessoa a respeito de um ministério que não é seu, mas sim de seu marido. De um ministério do qual ela não prestará contas a Deus, entretanto, alguns fazem parecer que tem de prestá-las às pessoas. Ela vive num conflito emocional frenético em saber que, como qualquer outra irmã casada, precisa ser uma boa esposa para o esposo, mas quando solicitado pela igreja, este lhe é tirado. E as exigências não param por aí. Certa vez, um “irmão” me cobrou dizendo que minha esposa precisaria estar com um sorriso aberto para recebê-lo, como todos os demais da comunidade local, na porta da igreja, independentemente de seu dia e circunstâncias. Ora, pessoas assim não querem pastores segundo Deus, mas sim segundo seus próprios corações, e por inferência determinam até mesmo como as esposas de homens de Deus devem se portar.

Ser esposa de pastor é uma grande tarefa e uma gloriosa obra

Digo isso porque a irmã que pensa em se casar com um futuro pastor, ou que se casou com um homem que foi ordenado ao ministério da Palavra, passará a desempenhar funções dentro de seu casamento e a lidar com circunstâncias do ministério de seu esposo que ela não desempenharia ou enfrentaria se fosse casada com um crente não ordenado ao ministério pastoral. Muitas vezes isso dilacera o coração.

Em 1 Timóteo, capítulo 3, veremos a qualificação moral e espiritual de um homem que deseja o ministério pastoral, todavia, se eu fosse listar as qualificações para uma irmã piedosa ser “aprovada” para poder se casar com um ministro do Evangelho, certamente incluiria nessa lista, além das santas ordenanças a respeito da espiritualidade e moral da modéstia feminina já encontradas na Santa Palavra: a maturidade emocional para saber abrir mão de finais de semana em família durante toda a vida, dividir o esposo com toda a comunidade pelo resto de sua existência, mudanças de planos pessoais e familiares de última hora infindáveis vezes, saber esperar seu esposo até altas horas para poderem jantar e ficar cinco minutos juntos naquele dia, estar preparada para perder a sua identidade como pessoa e ser chamada de “a mulher do pastor” (sendo apenas uma mera sombra), lidar com a expectativa de terceiros de que ela deve saber tanto de ministério e teologia quanto o seu esposo, ouvir falarem mal de seu esposo mesmo sabendo o quanto ele se doa e abre mão de oportunidades que os que falam jamais abririam, ver seus filhos sendo julgados quando crianças, uma vez que, se é filho do pastor, aos cinco anos de idade esperam que a criança seja doutora em teologia e tenha comportamentos de um homem de quarenta.

A lista poderia ser muitíssimo maior, mas acredito que já entenderam quão árdua é tal tarefa.

Certa vez, Charles H. Spurgeon disse:

“Se eu fosse uma jovem, e estivesse pensando em casar-me, certamente não me casaria com um ministro da Palavra, porque a posição de esposa de ministro é muito difícil para qualquer mulher” (ASCOL, Tom – Amado Timóteo – Editora Fiel, pág. 27).

No Brasil, a esposa do pastor frequentemente passa a ser vista como “pastora”, e atribuem a ela um ofício que o Senhor não a outorgou; assim, ela agora passa a ser vista de forma diferenciada na comunidade, talvez com esta esperando que a esposa do pastor seja mais espiritual – não pela busca da santificação natural do crente em Deus, mas por darem a ela esse status -, e ela passa a ter de honrar as expectativas da comunidade. Passando-se os dias, esse “ofício” se torna insuportável e um peso avassalador.

A solidão também a acompanha

Já foi matéria dada em seminários, assim como em artigos de revistas cristãs, o tema “Solidão Pastoral”. A solidão não é apenas descrita como a ausência de pessoas ao nosso redor. Podemos estar rodeados de pessoas e ainda estarmos sós, e a nossa vida ser uma solidão. Em 2019, foi o ano em que mais tive relatos de pastores se suicidando, e na esmagadora maioria dos casos, a solidão pastoral era descrita como uma influenciadora ao suicídio desses homens. A solidão deve ser vista e entendida como a ausência de relacionamentos saudáveis, e não necessariamente de pessoas. A ausência de pessoas maduras para poder se abrir e chorar sem ser julgado, ou escandalizar o ouvinte com suas mazelas e dificuldades, é enorme. Para os pastores, ter pessoas assim é muito difícil. Mas já paramos para pensar na solidão em que as esposas de pastores vivem? O relacionamento mais íntimo de uma esposa é com o seu marido. É com ele que ela derrama a alma, se abre, fala de seus desejos e suas vontades; mas nem sempre, sendo o esposo pastor, ele estará lá. Nas noites mais sombrias e nubladas da alma que a esposa de um pastor pode enfrentar, a possibilidade de ele estar segurando a mão de outra pessoa, ovelha do Senhor, é quase absoluta. Essa solidão a acompanha durante toda a vida. A esposa de John Wesley, grande pregador puritano e avivalista, o deixou quase no final de sua vida, já em idade avançada, pois não aguentava mais o peso da solidão e as circunstâncias que o ministério trazia sobre o casal.

Conheço esposas de pastores que vão à igreja, mas já não suportam a vida de igreja, visto que tudo de belo que elas poderiam ter com seus esposos, foi a “igreja” quem tirou delas. Hoje são amargas e ríspidas, e não há mais carisma em suas vidas.

Por isso, digo: orem pelas esposas de seus pastores. Intercedam por elas, para que sejam maduras e alegres em servir a Deus.

Ainda assim, pela graça de Deus, já tive o privilégio de ouvir de minha querida esposa que se fosse possível voltar ao passado e rever a sua vida, uma das coisas que ela voltaria a fazer seria se casar comigo, pois entende que como esposa de um ministro do Evangelho, ela tem a oportunidade de realizar boas obras ao seu esposo, ajudando-o em seu serviço para Cristo. Que gloriosa observação! É por isso que ser esposa de pastor é um dom! Somente alguém agraciada pelo Espírito Santo poderia pensar em algo dessa natureza. Ela entende que é de grande ajuda à comunidade da fé, e principalmente à igreja local, manter o pastor em boas condições para seu trabalho, mesmo que os irmãos não a vejam no sermão que seu amado esposo está pregando.

Mas como perceber a esposa do pastor nos sermões?

Há tantas coisas entre o pregador e o sermão quanto o Ocidente dista do Oriente, mas aqui falarei por mim e darei apenas um exemplo. É função da esposa encarregar-se de que seu esposo, o pastor de uma igreja, não se sinta desconfortável em sua própria casa, de maneira que tudo esteja bem e livre de preocupações externas para que o esposo possa dar seu máximo na preparação de um sermão. Minha esposa voluntariamente deixa o lugar onde preparo os sermões o mais confortável possível, sem barulhos e sem interrupções, e com amor! Vejo isso em seus olhos… E ainda me traz uma xícara de capuccino.

Ao se levantar, a exemplo de Provérbios 31, quando sabe que estarei trabalhando no sermão ou aula, ela prontamente organiza tudo. Retira os brinquedos que a Laísa deixa perto de minhas anotações, livros e pesquisas (porque a Lalá por vezes quer “preparar” o sermão junto com o papai, pois quer ficar comigo), e assim ela abençoa a igreja, fazendo esta ter um sermão em que a glória de Deus é revelada na pregação. Toda mulher de um ministro do Evangelho, ao agir assim, se torna uma pregadora das Sagradas Escrituras – ainda que nunca fale ao público -, tornando-se muito útil para a igreja local. Esse é apenas um exemplo que consigo compartilhar com vocês aqui. E são em sermões gloriosos e cheios da Palavra de Deus que a Flavinha aparece; é só olhar nos bastidores, e ela estará lá.

Outras funções...

A esposa do pastor também se torna útil para a igreja local quando passa a ser a “psicóloga” de seu marido, constantemente ouvindo suas dificuldades e o orientando conforme a Palavra de Deus e o que o Senhor espera de seu esposo como pastor no Reino de Deus.

Muitas vezes ela é a “secretária” de seu esposo, cumprindo funções administrativas que o pastor não dá conta em seu dia, mas que precisam ser resolvidas.

Ela é também a “pastora” – não, evidentemente, no sentido de ofício eclesiástico, mas ao cuidar da fé do marido. Me lembro de um fato em que Martinho Lutero estava muito angustiado devido às inferências do ministério e por dias andava cabisbaixo, falando somente o necessário, sem alegria em sua alma. Certa feita, Catarina von Bora (sua esposa), vendo seu esposo neste estado, se retirou da sala, foi até o quarto, vestiu seu vestido de luto, todo preto, e se arrumou para o funeral. Quando Catarina saiu do quarto, Lutero, vendo sua esposa de luto e preparada para a cerimônia fúnebre, perguntou espantado: “Quem morreu?!”, e a resposta de Catarina foi: “Deus! Deus morreu! Para meu esposo estar tão angustiado assim, só pode ter sido Deus quem morreu!”. Imediatamente, Lutero recobrou seu espírito e viu que sua esposa estava o pastoreando.

Ela é a intercessora pelo ministério de seu esposo. Muitas vezes vi a Flavinha com os olhos cheios de lágrimas, e quando perguntava o que havia acontecido, ela dizia: “Estava orando por você, para que você não sofra tanto”. Isso sempre me foi de grande consolo e valia.

Creio não haver palavras que descrevam melhor o “ofício” de ser a esposa do pastor do que essas: ser o auxílio divino aos ministros de Deus.

Que Deus abençoe a cada uma de vocês que honrosamente desempenham um ofício que não é visto como ofício, mas são cobradas deste! Que o Espírito de Jesus as conduza em bom termo até a glória.

Em especial, à minha esposa, psicóloga, secretária e até “ministra” do Evangelho (risos) Flavia Figueredo, a Flavinha. A você, meu amor, meus mais sinceros agradecimentos. Sou muito grato a você por permitir não estar contigo, quando deveria estar. Por estar segurando outras mãos, quando deveria estar segurando a sua. Por estar abraçando o próximo, quando deveria estar te enchendo de abraços. Por grande parte da minha história ser com terceiros, quando deveria ser com você. Por meus olhos estarem atentos na fala do irmão, quando deveriam estar contemplando a formosura de seu rosto. Por meus ouvidos serem mais deles, quando deveriam ser seus. Somente um grande Salvador como JESUS pode te recompensar. A você dou uma salva de palmas, de pé, e pretendo um dia te dar todos os “abraços atrasados” que lhe são por direito e todos os beijos que não tive tempo para lhe dar. Eu te amo!

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