A Lectio Divina, também chamada de Leitura Orante ou Leitura Devocional, é uma prática espiritual de meditação e oração a partir da Sagrada Escritura. Seu próprio nome, que tem como significado “leitura divina”, indica de que forma esse método é feito: pela leitura da Palavra de Deus. Trata-se de uma prática que nutre a alma e visa ao crescimento espiritual do cristão e à construção de comunhão com o Senhor.
Desde o Antigo Testamento, a leitura da Bíblia é observada pelo povo de Jeová, que proclamava a Palavra de Deus de geração em geração.
“Esdras, o sacerdote, trouxe a Lei perante a congregação, tanto de homens como de mulheres e de todos os que eram capazes de entender o que ouviam. […] E leu no livro, diante da praça, […] desde a alva até ao meio-dia, perante homens e mulheres e os que podiam entender; e todo o povo tinha os ouvidos atentos ao Livro da Lei.” Neemias 8:2-3
“O que ouvimos e aprendemos, o que nos contaram nossos pais, não o encobriremos a seus filhos; contaremos à vindoura geração os louvores do Senhor, e o seu poder, e as maravilhas que fez.” Salmos 78:3-4
Além disso, o povo de Israel já exercia a prática de orar fazendo uso dos textos sagrados. No livro de Jonas, quando o profeta está no ventre do grande peixe, ele compõe uma oração a partir de fragmentos dos Salmos:
“[…] Na minha angústia, clamei ao Senhor, e ele me respondeu; do ventre do abismo, gritei, e tu me ouviste a voz. Pois me lançaste no profundo, no coração dos mares, e a corrente das águas me cercou; todas as tuas ondas e as tuas vagas passaram por cima de mim. Então, eu disse: lançado estou de diante dos teus olhos; tornarei, porventura, a ver o teu santo templo? As águas me cercaram até à alma, o abismo me rodeou; e as algas se enrolaram na minha cabeça. Desci até aos fundamentos dos montes, desci até à terra, cujos ferrolhos se correram sobre mim, para sempre; contudo, fizeste subir da sepultura a minha vida, ó Senhor, meu Deus! Quando, dentro de mim, desfalecia a minha alma, eu me lembrei do Senhor; e subiu a ti a minha oração, no teu santo templo. Os que se entregam à idolatria vã abandonam aquele que lhes é misericordioso. Mas, com a voz do agradecimento, eu te oferecerei sacrifício; o que votei pagarei. Ao Senhor pertence a salvação!” Jonas 2:2-9
O hábito de leitura das Escrituras Sagradas continuou presente na vida dos crentes conforme as gerações se passaram. O período dos Pais da Igreja – importantes teólogos, professores e mestres das igrejas cristãs primitivas – não foi diferente; esses homens incentivaram e realizaram tal prática, a qual era considerada um “alimento celestial”. A expressão latina Lectio Divina surgiu nesse período, e monges como Agostinho de Hipona (354 – 430), uma das figuras mais importantes do cristianismo, enxergavam essa atividade como um dos principais pilares de suas vidas.
A sistematização da Lectio Divina em quatro etapas, no entanto, surgiu apenas no século XII, indicada na seguinte sequência: a lectio (leitura), a meditatio (meditação), a oratio (oração) e a contemplatio (contemplação).
A Leitura Orante pode ser feita de forma individual ou em grupo, e os textos bíblicos mais indicados para se utilizar são os Evangelhos e Salmos. É válido ressaltar que as quatro etapas da Lectio Divina não são divididas como se houvesse uma distinção gritante entre cada uma delas; elas podem se entrelaçar e se completar. Antes de iniciar, ore a Deus pedindo a iluminação do Espírito Santo para esse momento de comunhão com o Senhor.
Para que os irmãos consigam se concentrar e meditar na leitura feita, é importante a escolha de textos não tão extensos. Um Salmo de aproximadamente 10 a 20 versículos, por exemplo, seria apropriado para o método da Leitura Orante. Não se esqueça de estar em um ambiente silencioso e de se livrar de todas as possíveis distrações.
Dê preferência a traduções da Bíblia que não exijam muito esforço para se compreender o significado das palavras e expressões. Indicamos aos irmãos o uso das versões Nova Almeida Atualizada (NAA), Século XXI e Nova Versão Internacional (NVI). Para saber mais sobre as traduções da Bíblia, você pode acessar este link em que falamos sobre elas.
Nesse primeiro passo, você deve fazer a leitura da passagem escolhida e se perguntar: “O que o texto diz em si?”. Leia e releia o trecho várias vezes, com calma e atenção, mesmo que seja um texto já bastante conhecido no meio cristão. É essencial que respeitemos o real significado do texto, não imaginando que já sabemos o suficiente sobre ele, pois a Palavra do Senhor, “antiga Beleza, sempre tão nova”, como diz Agostinho de Hipona, é poderosa o suficiente para poder ter sempre algo novo a nos ensinar, independentemente do quanto já tenhamos lido determinada passagem. Um mesmo versículo é capaz de nos fazer enxergar diferentes lições de acordo com cada vez que o lemos.
“Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.” Hebreus 4:12
Atente-se ao significado de cada palavra, tomando o cuidado necessário para compreender o que o texto realmente está dizendo, e não o que você quer que ele diga. Não se trata de um momento de leitura superficial, mas de real apropriação do texto.
No momento da leitura, o Espírito Santo pode fazer com que alguma frase ou versículo em especial chame a sua atenção e penetre seu coração, o que guiará seu próximo passo na Lectio Divina: a meditatio (meditação).
Como dito anteriormente, o que servirá de guia para a etapa da meditação pode ser apenas um versículo ou alguma ideia que foi transmitida na passagem escolhida. Atente-se para essa parte específica que te cativou o coração e medite no Senhor.
“Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores. Antes, o seu prazer está na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite.” Salmos 1:1-2
Nesse segundo passo, devemos dialogar com o texto. A pergunta que deve ser feita é: “O que o texto diz para mim?”. Na meditação, precisamos notar o que a Palavra de Deus está dizendo para a realidade em que estamos vivendo; trata-se de ruminar o texto e trazê-lo para a nossa própria vida. Faça os seguintes questionamentos: Através dessa passagem, o que o Senhor está falando comigo? Como posso aplicar isso no meu dia a dia? O que é necessário mudar em minha vida?
A Bíblia, a qual é a Palavra de Jeová, foi escrita para os crentes que existiram na antiguidade, para os que existem no presente e para os que ainda existirão futuramente. Por mais que tenha sido escrita em tempos antigos, ela é – e sempre será – “útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra” (2 Timóteo 3:16-17). O que ela diz não foi útil somente para os nossos irmãos de outrora, pois ela nunca fica ultrapassada ou inutilizável, independentemente do passar do tempo. Sendo assim, as Sagradas Escrituras são sempre atuais e têm preciosas mensagens ao que eu e você estamos vivendo, hoje e agora.
A meditação, quando bem feita, inevitavelmente nos leva à oração a Deus, o momento de nos comunicarmos com o Senhor. Dessa forma, seguimos à próxima etapa da Leitura Orante.
Na etapa anterior, o Senhor falou ao nosso coração; agora, responderemos a Ele em oração. Dessa vez, a pergunta que devemos nos fazer é: “O que o texto me faz dizer a Deus?”. A oração é o momento em que iremos nos comunicar com o Senhor, com palavras de louvor, gratidão, súplica por perdão, petição ou o que mais o momento de meditação tiver provocado em nossos corações.
“Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças.” Filipenses 4:6
“A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos.” Tiago 5:16
Não somos capazes de, por conta própria, redirecionar o percurso de nossas vidas. Precisamos clamar, em oração, pelo agir do Espírito Santo em nós para que sejamos moldados conforme o caráter de Cristo. Jesus, quando estava prestes a passar deste mundo para o Pai, disse a seus discípulos que Jeová daria outro Consolador – o Espírito Santo – para estar com eles: “mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito” (João 14:26). Na oração pediremos o auxílio de Deus para fazer o que, nos momentos de leitura e meditação, a sua Palavra nos pediu.
“Se, porém, algum de vocês necessita de sabedoria, peça a Deus, que a todos dá com generosidade e sem reprovações, e ela lhe será concedida. Peça-a, porém, com fé, em nada duvidando, pois o que duvida é semelhante à onda do mar, impelida e agitada pelo vento.” Tiago 1:5-6
“Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça.” 1 João 1:9
Assim como fez o profeta Jonas quando estava dentro do ventre do grande peixe (Jonas 2:2-9), podemos orar a própria Bíblia. Você pode escolher um Salmo, por exemplo, e utilizá-lo como sua oração; o saltério deve ser considerado a escola de oração dos crentes, pois é central no ensino de como os filhos de Deus devem praticar este mandamento.
“Não têm, porque não pedem. Quando pedem, não recebem, pois pedem por motivos errados.” Tiago 4:2-3
É importante dizer que não há impedimentos para que também ocorra orações nos outros passos da Leitura Orante, pois as suas etapas não são estanques impermeáveis que não possibilitam o entrelace de cada uma delas.
“Orai sem cessar.” 1 Tessalonicenses 5:17
A etapa da contemplação não é um momento apenas intelectual, que só se desenvolve na mente. A contemplação é executada na prática, com o cristão mudando o seu agir diariamente, a fim de que esteja de acordo com a vontade do Senhor, a qual é transmitida em sua Palavra. Agora, devemos nos perguntar: “O que eu irei fazer?”.
“Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a vós mesmos.” Tiago 1:22
Depois de lermos, meditarmos e orarmos, é chegada a hora de adquirirmos uma nova maneira de enxergar a vida e de pôr em prática o que Deus colocou em nossos corações nessa oportunidade de comunhão com Ele. Contemplamos a Palavra de Jeová quando passamos a agir segundo o que ela ordena.
“Todo aquele, pois, que ouve estas minhas palavras e as pratica será comparado a um homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha.” Mateus 7:24
Caso a Lectio Divina esteja sendo realizada em grupo – na comunidade, por exemplo -, sua estrutura pode ser adaptada a fim de que atenda às necessidades das condições em que está sendo feita. O essencial é que haja leitura, meditação, oração e contemplação dos irmãos envolvidos nessa atividade.
A prática da Lectio Divina se faz de muita importância na vida do cristão, pois é um dos caminhos capazes de levar o crente a ter comunhão com a Santíssima Trindade e a sentir apreço pelas Escrituras Sagradas. É um exercício que produz conhecimento acerca da Palavra de Deus e de quem Ele é, bem como de quais são seus mandamentos para seus filhos. A Leitura Orante produz transformação na vida do crente em Jesus, pois o incentiva a perceber quais são as vontades do Senhor e a orar ao Pai para que Ele o capacite a assim fazer.
“Aproximem-se de Deus, e ele se aproximará de vocês!” Tiago 4:8
Sendo assim, fica claro que a Lectio Divina é um momento de devoção, e não de estudo bíblico (confira o nosso texto sobre a diferença entre meditar e estudar a Palavra aqui). Devemos deixar de lado nossas percepções acadêmicas e analíticas e nos esforçarmos em fazer desse momento um encontro espiritual com Deus. Isso não significa, é claro, que não teremos total respeito e zelo ao real significado dos textos sagrados.
“Não acrescentem nada à palavra que eu lhes ordeno, nem diminuam nada dela, para que vocês guardem os mandamentos do Senhor, o Deus de vocês, que eu lhes ordeno.” Deuteronômio 4:2
Que nos empenhemos em realizar essa prática de leitura, meditação e oração com base na Palavra do Senhor; e que, como fruto dessa experiência, possamos contemplar os estatutos de Deus. Não devemos meramente encaixar a Leitura Orante em nossa rotina agitada, como se fosse apenas mais uma tarefa a se cumprir de forma rápida e mecânica. A Lectio Divina é útil para a construção de profunda comunhão com o nosso Criador; no entanto, essa comunhão requer tempo, zelo e dedicação.
“Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Diligentemente, guardarás os mandamentos do Senhor, teu Deus, e os seus testemunhos, e os seus estatutos que te ordenou.” Deuteronômio 6:5,17