Uma nova liturgia para nos lembrarmos de sua cruz
Publicado em 03/01/2023
Hoje, o mundo comemora a Páscoa, uma data denominada “cristã”. Entre as suas comemorações, está a “Pessach”, a libertação do povo de Israel do Egito e a travessia do Mar Vermelho em direção à terra prometida. Foi numa das celebrações anuais da páscoa judaica que aconteceu a morte de Cristo pelo Império Romano. Com a mistura de crenças propagadas na Europa, a páscoa passou a ser relacionada com a fertilidade e o renascimento, simbolizados pelo coelho e ovos. É nesta miscelânea que encontramos o cenário de venda de ovos de chocolate, desejos de esperança e renovação, e uma grande confusão para os cristãos.
Se você, assim como eu, cresceu numa igreja evangélica, provavelmente já comemorou o “Domingo de Páscoa”, comeu pão sem fermento e assistiu (talvez até participou) a uma peça teatral encenando a crucificação e ressurreição de Cristo. Ou talvez você tenha uma herança católica em sua experiência com a data e tenha participado da “Semana Santa”, “Quaresma” e “Quarta-feira de Cinzas” e até ajudado a “malhar” o boneco de Judas.
O que realmente esta data significa para os cristãos? O que é a verdadeira páscoa? Devemos comemorá-la e seguir seus ritos? Que ela não deve ser relacionada às culturas pagãs e à fertilidade dos coelhos, a maioria de nós já ouviu durante a vida toda, mas precisamos entender as origens exatas desta celebração e o papel da nova aliança estabelecida na morte de Cristo. Para isso, precisamos voltar para antes mesmo do Êxodo, a saída do povo do Egito, mas também “viajar” para a “última ceia”, que foi o nosso primeiro contato com o memorial instituído antes mesmo da morte de Cristo.
“E este dia vos será por memória, e celebrá-lo-eis por festa ao Senhor; nas vossas gerações o celebrareis por estatuto perpétuo.” Êxodo 12:14
Na noite de libertação de Israel do cativeiro de 430 anos, a páscoa surgiu tornando-se uma festa litúrgica que marcaria o início do calendário judaico. Foi ali que Israel realmente foi reconhecido como uma nação, um povo forte que agora tinha uma identidade, uma cultura. Mesmo que gerações surgissem e desaparecessem, todas deveriam lembrar que Deus livrou o seu povo das mãos do Faraó pelas dez pragas.
“Falai a toda a congregação de Israel, dizendo: Aos dez deste mês tome cada um para si um cordeiro, segundo as casas dos pais, um cordeiro para cada família. Mas se a família for pequena para um cordeiro, então tome um só com seu vizinho perto de sua casa, conforme o número das almas; cada um conforme ao seu comer, fareis a conta conforme ao cordeiro. O cordeiro, ou cabrito, será sem mácula, um macho de um ano, o qual tomareis das ovelhas ou das cabras. E o guardareis até ao décimo quarto dia deste mês, e todo o ajuntamento da congregação de Israel o sacrificará à tarde. E tomarão do sangue, e pô-lo-ão em ambas as ombreiras, e na verga da porta, nas casas em que o comerem. E naquela noite comerão a carne assada no fogo, com pães ázimos; com ervas amargosas a comerão.” Êxodo 12:3-8
Pão sem o fermento que significava o pecado. Sangue nas portas que representava a proteção do anjo da morte que matou os egípcios. Ervas amargas que simbolizavam a escravidão do Egito. E o cordeiro sem defeito que significava o inocente sacrificado. Esta última parte te lembra algo? Talvez este versículo:
“No dia seguinte João viu a Jesus, que vinha para ele, e disse: Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.” João 1:29
O Novo Testamento descreve Cristo como o cordeiro perfeito, sem pecado; aquele que se sacrificaria para remover a nossa culpa. Enquanto os animais simbolizavam esta substituição, Cristo a cumpriu na cruz.
“Pois vocês sabem que não foi por meio de coisas perecíveis como prata ou ouro que vocês foram redimidos da sua maneira vazia de viver, transmitida por seus antepassados, mas pelo precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro sem mancha e sem defeito, conhecido antes da criação do mundo, revelado nestes últimos tempos em favor de vocês.” 1 Pedro 1:18-20
A liturgia judaica sempre apontou para o cumprimento deste sacrifício: a real libertação do povo de Deus, agora não do cativeiro egípcio, mas do pecado. Cristo é a nossa páscoa, ele instituiu a celebração pela libertação do pecado e uma nova vida.
“Alimpai-vos, pois, do fermento velho, para que sejais uma nova massa, assim como estais sem fermento. Porque Cristo, nossa páscoa, foi sacrificado por nós. Por isso façamos a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da maldade e da malícia, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade.” 1 Coríntios 5:7-8
Como ordenança, o povo estava celebrando a páscoa quando Cristo foi preso e morto. Antes mesmo de sua ressurreição no domingo, de sua crucificação na sexta-feira, Cristo mandou que os discípulos preparassem a páscoa, mas a celebrou de forma diferente: instituiu o memorial da sua morte. Esta não seria apenas uma celebração, mas conteria a espiritualidade que nos une como Igreja, parte do mesmo corpo.
“E ele disse: Ide à cidade, a um certo homem, e dizei-lhe: O Mestre diz: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a páscoa com os meus discípulos. E os discípulos fizeram como Jesus lhes ordenara, e prepararam a páscoa.” Mateus 26:18-19
“Tomando o pão, deu graças, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: ‘Isto é o meu corpo dado em favor de vocês; façam isto em memória de mim’. Da mesma forma, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a nova aliança no meu sangue, derramado em favor de vocês.’” Lucas 22:19-20
Cristo sabia que o seu corpo seria entregue à cruz e esmagado para saciar a ira de Deus, como os profetas haviam dito muito antes. A Aliança de Deus com seu povo foi firmada pelo sangue puro do Filho.
“Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão.” Isaías 53:10
Cristo estabeleceu o ritual entre seus discípulos, a Igreja. A ceia anuncia a morte de Jesus Cristo entre os cristãos para que estes nunca se esqueçam do seu corpo entregue na cruz e do seu sangue derramado. Este é um compromisso tão sério que, se alguém participar sem fazer parte do corpo de Cristo, será considerado culpado pela morte do Salvador.
“Porque todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice anunciais a morte do Senhor, até que venha. Portanto, qualquer que comer este pão, ou beber o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor.” 1 Coríntios 11:26-27
“A cruz é um grito de Deus para o mundo: você não pode salvar a si mesmo!” – Charles Spurgeon
Cristo não apenas morreu e ressuscitou por nós, mas nos sustenta em Deus e nos lembra disso.
“Jesus, pois, lhes disse: Na verdade, na verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Porque a minha carne verdadeiramente é comida, e o meu sangue verdadeiramente é bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.” João 6:53-56
Somos um Nele. Um povo legítimo, assim como Israel se tornou ao sair do Egito. Em Cristo temos comunhão e somos parte do Reino, comprados através do seu sangue.
“Porventura o cálice de bênção, que abençoamos, não é a comunhão do sangue de Cristo? O pão que partimos não é porventura a comunhão do corpo de Cristo? Porque nós, sendo muitos, somos um só pão e um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão.” 1 Coríntios 10:16-17
A igreja do primeiro século nos mostra como a ceia deve ser parte da nossa liturgia, mas não faz referência à celebração pascal após a morte de Cristo.
“E no primeiro dia da semana, ajuntando-se os discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte, falava com eles; e prolongou a prática até à meia-noite.” Atos 20:7
A páscoa se tornou a ceia do Senhor. A circuncisão dos israelitas se tornou o batismo dos crentes, um testemunho de fidelidade a Deus. Os sacrifícios e os holocaustos acabaram na cruz. Tudo termina na cruz.
Algumas denominações históricas têm um calendário litúrgico que é válido dentro de determinado contexto que visa a trabalhar temas importantes para a nossa fé, mas em nossa comunidade, antes de qualquer tradição, lembramos que Cristo é a nossa páscoa. É por este motivo que celebramos a ceia mensalmente, pois, como ordenado, o sacrifício deve ser lembrado entre nós periodicamente.
Não somos israelitas que foram libertos do Egito; somos cristãos que foram libertos da condenação do pecado e unidos em Cristo. Por mais que as tradições vigentes, principalmente católicas, apontem para questões judaicas, que nossa vida aponte para o sacrifício de Cristo até que tudo tenha se cumprido em seu Reino e Ele volte para nos buscar.
“E disse-lhes: Desejei muito comer convosco esta páscoa, antes que padeça; porque vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no reino de Deus.” Lucas 22:15-16
Então lembraremos deste momento glorioso por toda a eternidade, com Aquele que nos conduziu a ela.
“E disse-me: Escreve: Bem Aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro. E disse-me: Estas são as verdadeiras palavras de Deus.” Apocalipse 19:9