Quando Lutero afixou na porta do Castelo de Wittenberg as famosas 95 teses, em 31 de outubro de 1517, véspera do Dia de Todos os Santos, um movimento se iniciou. Os dogmas e sacramentos da Igreja Católica passaram a ser questionados, principalmente a venda de indulgências (perdão de pecados pela contribuição à Igreja Romana). Quando leu Romanos 1:17, o então monge agostiniano entendeu que “o justo viverá da fé”. Não havia méritos na salvação, não havia preço suficientemente alto a ser pago por nós que nos levasse para os céus.
Foi a partir de então que nos separamos da Igreja Católica, entendendo que temos uma fé diferente. Para nós, a tradição da Igreja nunca estará acima da autoridade das Escrituras.
Este ato, apesar de revolucionário ao sistema político-religioso que governava a vida dos cidadãos na Idade das Trevas, é visto pelos cristãos como uma reforma, uma volta aos princípios inegociáveis do Evangelho. Da Alemanha, o movimento se espalhou pela Europa em cinco gritos: Sola fide, Sola scriptura, Solus Christus, Sola gratia e Soli Deo gloria.
Um exemplo claro da presença dos Solas na teologia após a reforma são os artigos de Ulrico Zuínglio (1484- 1531), reformador na Suíça:
3. “Por isso, Cristo é o único caminho da salvação para todos os homens que foram, são e serão”. Solus Christus
18. “Cristo sacrificou-se uma única vez, e seu sacrifício possui valor perpétuo como pagamento pelos pecados de todos os crentes. Isto permite reconhecer que a missa não é nenhum sacrifício, senão um memorial do sacrifício, ou ainda, a confirmação da redenção que Cristo realizou em nosso favor”. Sola Gratia
22. “Cristo é a nossa justiça. Disto concluímos que as nossas obras, sempre são boas, ou seja, se realizadas em Cristo; mas, se as realizamos por conta própria elas não serão corretas, nem boas”. Sola Fide e Solus Christus
34. “Os poderes do Papado e do episcopado, junto à exigência, prepotência e orgulho espiritual que ostentam, não tem nenhum fundamento na sagrada letra, nem na doutrina de Cristo”. Sola Scriptura
46. “Assim, pois, os cânticos no templo e a extensa pregação, sem devoção, feitos somente para ganhar dinheiro, são atos que têm finalidade de receber o louvor dos homens ou, são feitos por mero desejo de lucro”. Soli Deo Gloria
Como uma Igreja Batista Reformada, entendemos que os 5 Solas devem definir a teologia de todas as igrejas evangélicas, pois tratam de questões centrais que nos diferem de outras religiões. Mesmo em diferentes denominações, o nosso objetivo é - ou deveria ser - cultuar o único Deus e seguir a sua única e verdadeira palavra, a Bíblia, não sendo coincidência que um dos Solas seja denominado Sola Scriptura.
“Sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação; porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo”. 2 Pedro 1:20-21
Toda a Escritura, e somente ela, é inspirada pelo Espírito Santo, sendo nossa única fonte de autoridade doutrinária. A tradição e as autoridades da Igreja, sejam quais forem, devem estar sujeitas à interpretação correta dos textos sagrados. Mas o que isso significa na prática?
“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça”. 2 Timóteo 3:16
“Mas, ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que já vos tenho anunciado, seja anátema”. Gálatas 1:8
“As coisas encobertas pertencem ao SENHOR nosso Deus, porém as reveladas nos pertencem a nós e a nossos filhos para sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei”. Deuteronômio 29:29
Os homens de Deus citam homens de Deus; os apóstolos citaram os profetas muitas vezes, assim como uns aos outros. A Escritura prova e interpreta a si mesma (não é a nossa cultura atual que deve interpretar a Bíblia, mas a Bíblia deve interpretar a cultura), condenando deturpações:
“E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca destes assuntos, como, de fato, costuma fazer em todas as suas epístolas, nas quais há certas coisas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a própria destruição deles”. 2 Pedro 2:16
Precisamos meditar e aprender as Escrituras não apenas para crescer em conhecimento e entender a vontade de Deus, mas para defender a vontade da Trindade.
“Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há em vós”. 1 Pedro 3:15
“Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite”. Salmos 1:2
O Salmo 119 está repleto de exaltações e relatos da experiência com Deus a partir das Escrituras. Que possamos ter intimidade com os textos sagrados a ponto de, como o salmista, bendizer (falar bem) a Palavra, afirmando ser ela a nossa Lei, os nossos Juízos, Testemunhos, Mandamentos, Estatutos e Preceitos.
Ao meditar nas Escrituras, entenderemos que todas as verdades contidas ali podem ser resumidas em uma mensagem: Cristo morreu pelos pecadores.
“Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de esquina. E em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos”. Atos 4:11-12
Afirmar “Somente Cristo” é dizer que só Ele nos salva do pecado; somente Ele é mediador entre Deus e os homens, não havendo santos, papas, apóstolos, profetas ou outras figuras capazes disso.
“Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem”. 1 Timóteo 2:5
“Disse-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim”. João 14:6
A obra redentora, ou seja, o plano da Trindade para salvar a humanidade, dependeu exclusivamente de Cristo. A única contribuição que nós demos nisso foi com o nosso pecado, sendo nós unicamente culpados por ele.
“Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus; sendo justificados gratuitamente pela sua graça, pela redenção que há em Cristo Jesus”. Romanos 3:23-24
Deus é justo e santo. Por isso, para saciar sua ira, era preciso um sacrifício perfeito. Com uma humanidade manchada pelo pecado e um Deus amoroso para com seu povo, somente a Trindade, que é pura e santa, poderia fazer tal ato.
“Mas, como é santo aquele que vos chamou, sede vós também santos em toda a vossa maneira de viver”. 1 Pedro 1:15
A condenação veio como herança a nós por meio de apenas um homem (Adão), e por um homem deveria vir a salvação: o Deus homem que tomou nossos pecados e morreu como pecador, mesmo não tendo cometido pecado algum.
“Sabendo que não foi com coisas corruptíveis, como prata ou ouro, que fostes resgatados da vossa vã maneira de viver que por tradição recebestes dos vossos pais, mas com o precioso sangue de Cristo, como de um cordeiro imaculado e incontaminado”. 1 Pedro 1:18-19
“Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. 2 Coríntios 5:21
“Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado [...]”. Isaías 53:10a
Que possamos glorificar a Cristo como lhe é devido, Ele que é nossa esperança, pois em sua morte fomos comprados e em sua ressurreição temos a certeza da vida eterna.
“Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá”. João 11:25
“Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. Não vem das obras, para que ninguém se glorie”. Efésios 2:8-9
Somente a graça é capaz de nos conceder a salvação. Mas o que é a graça? Esse termo tão conhecido da igreja moderna infelizmente é minimizado em sua compreensão da obra redentora, pois tudo o que temos é graça. A graça é muito mais do que um “favor imerecido”; é a disposição de Deus em nos criar, manter e salvar à custa do sacrifício do Filho.
Entender a graça é entender que, se não fosse por Cristo, nós não poderíamos existir. Se não fosse sua salvação, só restaria a ira de Deus sobre nós.
“Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos”. Atos 17:28a
“Aquele que crê no Filho tem a vida eterna; mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece”. João 3:36
Nossas obras só são válidas diante de Deus pela fé concedida de maneira graciosa pela obra da Trindade.
“Mas se é por graça, já não é pelas obras; de outra maneira, a graça já não é graça. Se, porém, é pelas obras, já não é mais graça; de outra maneira a obra já não é obra”. Romanos 11:6
“Sabendo que o homem não é justificado pelas obras da lei, mas pela fé em Jesus Cristo, temos também crido em Jesus Cristo, para sermos justificados pela fé de Cristo e não pelas obras da lei, porquanto pelas obras da lei nenhuma carne será justificada”. Gálatas 2:16
Declarar “Somente a fé” é dizer que não há outra coisa que nos leve a crer verdadeiramente em Cristo a não ser a fé gerada pelo Espírito.
Lembrando do que falamos no início do post: Lutero foi contrário às penitências pregadas pela Igreja Católica, afirmando que o homem não pode se penitenciar diante de Deus para obter perdão. Sem a fé não há esperança para nós, pois até nossas boas obras são imundas para Deus, manchadas pelo pecado.
“Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; e todos nós murchamos como a folha, e as nossas iniqüidades como um vento nos arrebatam”. Isaías 64:6
“[...] Tudo o que não é de fé é pecado”. Romanos 14:23b
Esta fé nos justifica diante de Deus, pois não haveria salvação se a justificação (pagamento pelos pecados) dependesse das nossas obras.
“Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só”. Romanos 3:11-12
“E creu ele no Senhor, e imputou-lhe isto por justiça”. Gênesis 15:6
A fé de Abraão em Deus o justificou, mas suas obras confirmaram sua fé e evidenciaram que Ele era filho de Deus. Já entendemos que não somos justificados pelas obras, pois se assim fosse, haveria dois sistemas de salvação; mas precisamos entender, também, que as obras são necessárias para testemunhar o nosso cristianismo. Deus provou a fé de Abraão ao lhe pedir o sacrifício de seu filho Isaque. Ele não queria a morte do rapaz, mas sim a obediência de seu servo.
“Assim também a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma. Mas dirá alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só Deus; fazes bem. Também os demônios o crêem, e estremecem. Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Bem vês que a fé cooperou com as suas obras, e que pelas obras a fé foi aperfeiçoada. E cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus. Vedes então que o homem é justificado pelas obras, e não somente pela fé”. Tiago 2:17-24
Uma vez que entendemos que as nossas boas obras são resultado da nossa fé, entendemos que a glória pelos nossos feitos deve ser devotada a Deus.
“Porque dele, e por ele, e para ele são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém!”. Romanos 11:36
Dar “Glória somente a Deus” é entender que a honra e a glória pela nossa salvação devem ser dadas somente a Deus, visto que, como aprendemos, a graça que permeia toda a nossa vida vem exclusivamente dEle. Como a pessoa da Trindade responsável pela nossa justificação, o Deus Filho é declarado por Deus Pai como o resplendor da sua glória.
“O qual, sendo o resplendor da sua glória, e a expressa imagem da sua pessoa, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo feito por si mesmo a purificação dos nossos pecados, assentou-se à destra da majestade nas alturas”. Hebreus 1:3
A glória é um atributo incomunicável, ou seja, não é compartilhado com a raça humana. Ele diz respeito à grandeza, pureza e natureza de Deus, e, por isso, não há outro ser digno de glória a não ser a Trindade.
Os Dez Mandamentos estão há 6 mil anos aqui para nos lembrar de que Deus não divide sua glória com imagens de escultura e outros deuses (Êxodo 20:3-5), e não seria diferente hoje em dia com objetos ungidos, santos e outras autoridades a quem se é ensinado erroneamente que se deve reverenciar.
“Eu sou o Senhor; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não darei, nem o meu louvor às imagens de escultura”. Isaías 42:8
Na prática, tudo o que fazemos, por mais que seja bom e tenha demandado nosso esforço, deve ser devotado a Deus, pois Ele nos dá a capacidade para realizar todas as coisas.
“Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes, em quem não há mudança nem sombra de variação”. Tiago 1:17
“A todos os que são chamados pelo meu nome, e os que criei para a minha glória: eu os formei, e também eu os fiz”. Isaías 43:7
Ser filho de Deus é viver para sua glória. Assim como a criação anuncia a glória de Deus, nós a anunciamos por cada ato de fé.
“Porque a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar” Habacuque 2:14
“Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus”. 1 Coríntios 10:31
O resgate do verdadeiro Evangelho e prática das Escrituras deve continuar. A Reforma não deve ficar registrada apenas nos livros de História, bem como os 5 Solas nos ensinamentos da Igreja. Eles precisam ser realidade em nossa vida cristã para que continuem a transformar a sociedade e a religiosidade, assim como foram através do movimento iniciado por Lutero.
As declarações dos 5 Solas devem fazer parte da nossa fé diária, em que nunca esquecemos das riquezas das Escrituras para nossa vida, do sacrifício de Cristo em nosso lugar e da graça permeando cada um de nossos atos que devem ser guiados pela fé dada pelo Espírito, unicamente para a glória de Deus.
“A essa glória na igreja, por Jesus Cristo, em todas as gerações, para todo o sempre. Amém”. Efésios 3:21