“Bem-aventurados os limpos de coração, porque verão a Deus.”
As bem-aventuranças são a espinha dorsal do Evangelho. Em cada uma delas, Jesus não apenas descreve o caráter do cristão, mas revela também a recompensa da vida no Reino de Deus. Em Mateus 5.8 chegamos ao ápice dessa sequência: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.”
Enquanto as recompensas anteriores ainda são possíveis de experimentar nesta vida — consolo, misericórdia, justiça —, aqui encontramos uma promessa sublime, reservada aos santos: ver a Deus. Esta é a recompensa suprema.
Jesus mostra que há uma diferença essencial nesta bem-aventurança. As anteriores apontam para bênçãos experimentadas já no tempo presente, mas aqui Ele fala de algo que transcende a vida: contemplar o próprio Deus.
Essa promessa é tão grandiosa que ultrapassa a capacidade humana de imaginar. Todas as nossas construções mentais sobre Deus são finitas e limitadas. As pinturas da Idade Média e da Renascença, por exemplo, tentaram representá-Lo como um ancião de barbas brancas ou um Cristo cansado e sofrido. Mas ainda assim, tudo isso é insuficiente.
Na eternidade não precisaremos mais imaginar. Veremos o Senhor como Ele é. É isso que o apóstolo João confirma: “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, porque o veremos como Ele é” (1Jo 3.2).
Enquanto estamos neste mundo, lidamos com imagens, metáforas e descrições que tentam nos aproximar da realidade divina. Os profetas usaram linguagem humana para explicar atributos divinos: “o braço forte do Senhor”, “os ouvidos atentos”, “o trono elevado”.
Ezequiel, em sua visão no capítulo 1, descreveu a aparência da glória de Jeová com termos complexos, difíceis de compreender. Para nós, parece estranho, ilógico, até assustador. Mas ele mesmo conclui: “Esta era a aparência da glória do Senhor” (Ez 1.28).
Hoje nos assusta, mas um dia, quando estivermos plenamente redimidos, veremos essa mesma glória e diremos: “Que beleza, que santidade, que pureza!” Aquilo que parecia incompreensível será revelado como maravilhoso, porque estaremos transformados.
Ver a Deus significa entrar em um processo eterno de conhecimento. E aqui está algo surpreendente: nem anjos, nem patriarcas, nem a igreja já glorificada conhecem plenamente a Deus.
O apóstolo Paulo confirma: “O Espírito perscruta todas as coisas, até mesmo as profundezas de Deus” (1Co 2.10). Isso significa que só a Trindade se conhece plenamente.
E a eternidade será pequena demais para esgotarmos quem Deus é. Passaremos a eternidade descobrindo as riquezas da Sua glória, sendo cada vez mais maravilhados pela revelação contínua da Sua pessoa.
Mas para que essa promessa seja nossa, Jesus estabelece uma condição: “Bem-aventurados os puros de coração.”
A pureza não é externa, mas interna. Começa no coração — a centralidade do ser humano, de onde procedem pensamentos, desejos, projetos e intenções. É isso que Salomão ensina: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23).
Jesus também deixou claro em Mateus 15.17-19: não é o que entra pela boca que contamina o homem, mas o que sai dela, pois procede do coração. O problema não é a mão por lavar, mas o coração impuro.
E aqui está um ponto crucial: o coração humano é enganoso e perverso (Jr 17.9). Ele mente, se autojustifica e nos leva a crer que estamos bem quando não estamos. Por isso, somente o Espírito Santo pode purificá-lo.
Pureza é fruto da ação de Deus, não de esforço humano. É obra do Espírito Santo em nós, que vence a tirania do nosso “eu” e nos conforma à imagem de Cristo.
A vida cristã, no entanto, não é isenta de luta. O apóstolo Paulo, em Romanos 7, descreve a batalha interna entre o desejo de fazer o bem e a presença do pecado em seus membros. Ele chega a clamar: “Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24).
Mas a resposta vem logo em seguida: “Graças a Deus por Jesus Cristo, nosso Senhor!” (Rm 7.25). E o capítulo 8 abre com a declaração triunfal: “Agora, pois, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).
O “agora” de Deus chega para todo crente. É o momento em que o Espírito Santo entra com poder e vida, libertando das correntes do pecado e conduzindo à santidade.
Essa experiência não anula a luta, mas garante a vitória. Como Paulo e Silas em Atos 16, que mesmo presos cantavam louvores, até que Deus abriu as portas da prisão, também nós experimentamos o “de repente” do Espírito que nos liberta e fortalece.
Ser puro de coração não é uma virtude conquistada pelo esforço humano, mas um presente do Espírito Santo. É a obra de Deus em nós, preparando-nos para a maior de todas as recompensas: ver a Deus.
No final, a oração de Davi se torna também a nossa:
“Ensina-me, Senhor, o teu caminho, e andarei na tua verdade; une o meu coração ao temor do teu nome” (Sl 86.11).
Que nossos corações sejam inteiros, unidos, purificados pelo temor do Senhor, até o dia em que O veremos face a face em glória.
Amém.