Mateus 5.9 “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mt 5.9)
Chegamos à oitava bem-aventurança, na qual o nosso Senhor Jesus declara felizes aqueles que são pacificadores. Este é um tema que, à primeira vista, pode parecer simples. Contudo, ao olharmos mais de perto, percebemos que ser pacificador exige de nós toda a maturidade cristã e custa a nossa própria vida.
De Gênesis a Apocalipse, as Escrituras apresentam o esforço grandioso de Deus em estabelecer a paz do Seu Reino. Essa paz não é meramente a ausência de guerras, conflitos sociais ou tristezas pessoais. A paz de que Jesus fala não é a mesma que o mundo conhece.
A verdadeira paz é resultado da obra de Deus em Cristo: deixamos de ser alvos da ira de Deus para nos tornarmos alvo do Seu amor. Já não há muro de separação, mas braços abertos do Pai que nos recebe em Cristo. Esta é a base da nossa pacificação.
O Pai é chamado de Deus de paz (Rm 15.33). O Filho é o Príncipe da Paz (Is 9.6), aquele que tem autoridade para conceder a verdadeira paz. E o Espírito Santo é quem comunica essa paz aos nossos corações, pois o fruto do Espírito é amor, alegria e paz (Gl 5.22).
Assim, a paz é um atributo divino, resultado da eficácia de todos os outros atributos de Deus aplicados a nós: a graça, a justificação, a santidade e o amor. Por isso, ser pacificador não é uma virtude natural do ser humano, mas uma marca da Nova Aliança.
Para compreender a bem-aventurança, precisamos primeiro entender o que essa paz não é:
Jesus não prometeu ausência de dificuldades. Pelo contrário: “No mundo tereis aflições” (Jo 16.33). Portanto, a paz que Ele nos dá é de outra natureza.
A verdadeira paz começa quando deixamos de ser alvos da ira de Deus e passamos a ser objetos do Seu amor. Não há mais muro de separação: em Cristo fomos reconciliados e adotados como filhos. Essa é a paz vertical, estabelecida entre Deus e o homem.
Mas há também a paz horizontal, que deve transbordar em nossos relacionamentos. Essa paz não é apenas um conceito, mas a atmosfera do Reino de Deus. O céu está saturado da glória, da justiça, da santidade e da graça do Senhor. E o resultado da eficácia de todos esses atributos é a paz que podemos experimentar e comunicar.
O Deus trino se revela como Deus de paz:
Assim, a paz não é um sentimento humano, mas uma realidade divina aplicada ao crente.
Muitos confundem pacificação com conciliação. A conciliação ocorre quando duas partes fazem acordos e estabelecem limites, mas continuam presas às mesmas convicções. Já a pacificação é algo muito maior: é a implantação do Reino de Deus em meio ao conflito. Não é mais “o meu lado” ou “o seu lado”, mas aquilo que Cristo ordena.
É nesse ponto que ser pacificador se torna um chamado tão difícil. Exige renúncia, exige que levemos a atmosfera do Reino — marcada pela glória, justiça, santidade, graça e paz — para dentro das situações da vida.
No tempo do profeta Oseias, o Reino do Norte estava prestes a cair diante da Assíria. O juízo já era iminente — os barulhos dos carros de guerra podiam ser ouvidos ao longe. Durante mais de dois séculos, Deus advertiu o povo, mas eles insistiram no pecado.
E, no último minuto, Deus ainda estendeu a mão e disse:
“Semeai para vós outros em justiça, ceifai segundo a misericórdia; lavrai o campo de pousio; porque é tempo de buscar ao Senhor, até que Ele venha e chova justiça sobre vós.” (Os 10.12)
Aqui vemos a pacificação divina em três exigências:
Mesmo diante do juízo, Deus ofereceu paz. Mas o povo preferiu confiar em seus próprios cavalos e carros de guerra, escolhendo a perversidade em vez da pacificação.
Antes da conversão, Saulo respirava ameaças de morte contra a igreja. Ele matou, prendeu e feriu cristãos, acreditando estar servindo a Deus. Quando se converteu em Atos 9, não entrou como apóstolo, mas como simples crente.
Imagine o impacto de Paulo entrando numa reunião cristã:
Como conciliar uma situação assim? Não havia conciliação possível. Mas o Reino de Deus foi implantado ali: o inimigo se tornou irmão. Isso é pacificação.
Pedro negou Jesus três vezes. O galo cantou, e o Senhor olhou para ele não com condenação, mas com aquele olhar que dizia: “Eu te avisei”.
Depois da ressurreição, Jesus foi ao encontro de Pedro. O apóstolo, humilhado, mal conseguia se aproximar. Mas Cristo não trouxe acusações. Sentou-se, comeu peixe e perguntou:
“Pedro, tu me amas?”
E então lhe confiou novamente a missão: “Pastoreia as minhas ovelhas.”
Não houve conciliação — porque conciliação traria apenas acusações. Houve pacificação: o perdão de Cristo restaurou o coração de Pedro e o devolveu ao ministério.
Na parábola de Mateus 18, um homem devia dez mil talentos ao rei. Pela lei, deveria ser morto, e sua família, escravizada. Mas o rei teve compaixão e o perdoou.
Ao sair, esse mesmo homem encontrou um servo que lhe devia apenas cem denários. Ele o agarrou pelo pescoço e exigiu pagamento. Aqueles que viram ficaram escandalizados: como alguém perdoado de tanto poderia negar misericórdia em algo tão pequeno?
O rei então o condenou severamente.
A lição é clara: quem recebe a pacificação de Deus deve viver como pacificador. Negar isso é rejeitar a graça recebida.
Essa paz não é ausência de guerra entre as nações. Também não é ausência de hostilidade em nossa sociedade, no trabalho, na família ou até mesmo na igreja. O homem, em sua natureza caída, está em constante conflito: com Deus, consigo mesmo e com o próximo. Além disso, essa paz não é ausência de tristeza ou angústia. Não temos controle sobre nossa saúde, sobre os acontecimentos do dia a dia ou sobre os imprevistos que mudam nossa agenda. Portanto, não confundamos a paz de Cristo com uma vida sem problemas.
A verdadeira paz se manifesta em duas dimensões:
Assim, a paz é o ambiente em que o crente pode se achegar a Deus com confiança. Cristo deixou claro como essa paz se aplica a nós:
Jesus disse: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.”
Ser chamado filho de Deus não significa apenas receber um apelido bonito ou um título religioso diante dos homens. Na verdade, muitos, até mesmo dentro da comunidade, podem não compreender ou até rejeitar essa verdade. Podem dizer: “Eu não concordo com isso, eu prefiro continuar confiando nos meus próprios caminhos.”
Mas o reconhecimento que importa não vem dos homens. É o próprio Deus quem chama Seus filhos. E ser chamado filho de Deus significa receber dignidade e honra diante dEle. É ser nomeado pelo Senhor como parte da Sua família, como alguém adotado no Amado, reconciliado pela cruz, participante da Nova Aliança.
Esse é o prêmio daqueles que vivem como pacificadores: ouvir do próprio Deus a declaração de filiação. Não apenas fazer parte da igreja visível, mas ser reconhecido pelo Senhor da igreja como Seu filho.
Ser pacificador é muito mais do que buscar acordos humanos ou tentar evitar conflitos. É viver e aplicar a paz que vem de Deus, a paz que custou o sangue de Cristo, a paz que nos reconciliou com o Pai.
Essa paz não é natural ao homem. Não vem da nossa personalidade, nem do nosso esforço. Ela é fruto da obra do Espírito Santo e marca de quem está na Nova Aliança. Por isso, ser pacificador exige maturidade, exige renúncia, exige que carreguemos a atmosfera do Reino de Deus em todas as situações da vida.
Jesus declarou: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus.” Essa é a recompensa gloriosa: ser reconhecido pelo próprio Deus como Seu filho. Não há título maior, não há honra mais alta.
Que cada um de nós compreenda a seriedade desse chamado e viva de forma digna do Evangelho, sendo instrumentos de pacificação. Que, ao final da nossa caminhada, possamos ouvir do Senhor: “Você é meu filho.”