Mateus 5.10–12 “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, vos perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós.”
Chegamos à nona e última bem-aventurança.
Nos versículos 10 a 12, encontramos a última das bem-aventuranças, que encerra a introdução do sermão. Diferentemente das anteriores, esta não se resume em uma única sentença, mas é ampliada em explicação e aplicação. Cristo aprofunda aqui a compreensão da vida cristã e do caráter do seu povo, ensinando verdades que deveriam moldar permanentemente a igreja.
Nela, o Senhor Jesus encerra a introdução do Sermão do Monte com uma declaração surpreendente: felizes são os perseguidos.
Este é o ponto mais alto da escada espiritual apresentada por Cristo. As bem-aventuranças anteriores moldaram o caráter do discípulo — pobreza de espírito, mansidão, pureza, misericórdia e pacificação —, mas agora Jesus fala sobre o preço de viver essas virtudes diante do mundo: a perseguição.
Tanto a primeira quanto a última bem-aventurança trazem a mesma promessa:
“...porque deles é o Reino dos Céus.”
Isso não é coincidência. É o que os estudiosos chamam de inclusio teológica — uma moldura que envolve toda a mensagem das bem-aventuranças. Tudo começa e termina no Reino.
Ser pobre de espírito é a porta de entrada; ser perseguido por causa da justiça é a confirmação final. O cristão nasce para o Reino pela conversão e, se necessário for, entra plenamente nele pela morte.
O Reino de Deus é o governo soberano do Deus trino: o Pai que decreta, o Filho que redime, e o Espírito que aplica a graça aos corações. Nele há trono, lei, povo e fidelidade. Tudo o que existe e se move está debaixo do domínio do Rei.
Jesus fala de dois tipos de perseguição:
Essas perseguições não são genéricas. Nem toda rejeição ou problema é bem-aventurança. Muitos sofrem não por causa da justiça, mas por causa da própria teimosia, orgulho ou imprudência. O texto não diz “bem-aventurados os perseguidos porque são inconvenientes”, mas “por causa da justiça e por causa de Cristo”.
A justiça de Cristo incomoda. Mesmo dentro da igreja, a santidade de um irmão revela o pecado oculto do outro, e isso desperta desconforto. Se isso já acontece entre os que professam a mesma fé, imagine o impacto que causa no mundo.
Nos primeiros séculos, essa diferença se tornou evidente. Os cristãos se recusavam a dobrar os joelhos diante de César, mesmo que isso lhes custasse a vida. Enquanto o Império Romano exigia adoração ao imperador, os discípulos de Cristo respondiam: “Temos apenas um Senhor — Jesus Cristo.”
Por essa fidelidade, foram chamados de ateus (por rejeitarem o panteão pagão), canibais (por participarem da Ceia do Senhor) e perturbadores da paz (por não se unirem às festas idólatras). Quando Nero incendiou Roma em 64 d.C., culpou os cristãos — justamente porque sua fé os tornava diferentes. Os dez bairros pagãos ardiam, enquanto os quatro bairros cristãos permaneciam em paz.
Ao longo dos séculos, a perseguição à igreja foi constante. Contudo, algo curioso aconteceu no século XX: a igreja deixou de ser perseguida. Não porque o mundo se converteu, mas porque parte da igreja se conformou.
A partir daí, muitos passaram a confundir aprovação pública com relevância espiritual. Quando o mundo aplaude a igreja por se “contextualizar”, é sinal de que perdeu-se algo essencial: a pureza da fé.
Houve tempo em que o nome “pastor” passou a ser associado à corrupção e ao escândalo — não por injustiça do mundo, mas por erros dentro do próprio arraial.
Por isso, nem toda crítica contra a igreja é perseguição por Cristo; muitas são o reflexo dos nossos próprios pecados.
Diante disso, Jesus ordena algo que parece impossível: “Regozijai-vos e exultai.”
O verbo “regozijar” indica uma alegria intensa, como uma gargalhada contida em meio às lágrimas. Mas como rir em meio à dor? Somente quando se entende que a Palavra é maior que a ferida e que a cruz de Cristo foi mais humilhante do que qualquer sofrimento humano.
A alegria do discípulo não nasce da circunstância, mas da convicção: a vida de Cristo em mim vale mais do que a minha própria vida.
A perseguição — seja pela espada, seja pela língua — é o termômetro do verdadeiro cristianismo. Se nunca há oposição, talvez não haja contraste suficiente entre a sua fé e o mundo.
A Escritura confirma o padrão:
A história da igreja está repleta de testemunhos de homens e mulheres que sorriram em meio à dor, não por insensibilidade, mas por convicção. Eles entenderam que padecer por Cristo é privilégio, não castigo. Que morrer pelo Reino é apenas mudar de endereço: sair da peregrinação terrena e entrar na glória eterna.
Jesus encerra as bem-aventuranças com uma promessa gloriosa: “Bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus.”
A vida cristã começa no Reino pela conversão (v.3) e pode terminar nele pela morte (v.10). Entre um ponto e outro, há injúrias, mentiras e calúnias (v.11). Mas a ordem permanece: “Regozijai-vos e exultai, porque grande é o vosso galardão nos céus.”
A perseguição não é sinal de abandono, mas de pertencimento. É a prova de que seguimos o mesmo caminho do nosso Senhor. E quando o Rei olhar dos céus, reconhecerá os Seus: homens e mulheres que viveram, sofreram e, se preciso, morreram por Ele.
Que o Senhor nos encontre fiéis — vivendo pelo Reino, suportando pelo Reino e, se necessário, morrendo pelo Reino.