A Submissão do Corpo ao Espírito
Publicado em 27/10/2025
"Quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram o rosto com o fim de parecer aos homens que jejuam. Em verdade vos digo que eles já receberam a recompensa. Tu, porém, quando jejuares, unge a cabeça e lava o rosto, com o fim de não parecer aos homens que jejuas, e sim ao teu Pai, em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará." - Mateus 6:16-18
Antes de entrarmos necessariamente no texto, é importante compreendermos onde estamos dentro do Evangelho segundo Mateus. Do capítulo 5 ao 7, temos o Sermão do Monte, o maior sermão já pregado por Jesus Cristo. Diferente de uma simples narrativa bíblica, este é um discurso direto do Senhor, onde Ele ensina aos discípulos o que significa ser um verdadeiro crente, alguém que vive a fé da nova aliança, não mais sob a antiga.
Jesus inicia com as bem-aventuranças, mostra o papel da Igreja como sal da terra e luz do mundo, e, em seguida, explica o espírito da lei, corrigindo as distorções dos escribas e fariseus. Depois, passa à parte prática da vida cristã: como orar, como ofertar, e agora, como jejuar. O trecho de Mateus 6.16–18 faz parte dessa sequência, e não deve ser interpretado isoladamente.
O jejum, portanto, está diretamente ligado à oração e à vida devocional do cristão.
Jesus inicia dizendo: “Quando jejuardes”. Não há espaço para exceções.
Não existe cristianismo maduro sem a prática do jejum. Não há fé viva que não se submeta a essa disciplina espiritual.
Jesus não disse “se jejuardes”, como quem deixa à vontade; Ele disse “quando jejuardes”, como quem espera obediência. Por isso, jejuar é parte natural da vida de quem nasceu de novo.
Ao olharmos para outras religiões, vemos que o jejum é uma prática mais antiga do que o próprio cristianismo.
Ao longo da história, homens e mulheres o utilizaram como demonstração de devoção à sua divindade. E, com pesar, precisamos admitir que, muitas vezes, outras religiões tratam o jejum com mais seriedade do que muitos cristãos.
Os muçulmanos, por exemplo, entendem o jejum como expressão direta de fé. Eles não o praticam quando sentem vontade, mas porque compreendem que o jejum é devoção ao seu deus. Durante o Ramadã, param cinco vezes ao dia para orar, não importa onde estejam. Levam seus tapetes, se ajoelham voltados para Meca e oram disciplinadamente. Durante aquele mês, se abstêm de alimento e de conforto, demonstrando a entrega total ao deus que servem.
Os judeus, por sua vez, mantêm o jejum como parte do seu culto mais solene. No mês do Yom Kippur, o Dia da Expiação, eles jejuam para se preparar espiritualmente para o sacrifício e a purificação. Mesmo não crendo em Cristo, tratam o jejum com reverência e temor, como um ato de adoração.
Ao retomarmos ao texto, é importante perceber que tudo o que Jesus está ensinando já estava exposto no Antigo Testamento.
Cristo não está criando uma nova doutrina, Ele está restaurando o sentido original do jejum, corrigindo o desvio que havia se instalado ao longo dos séculos.
Ele está trazendo a teologia e a prática corretas de algo que sempre foi parte da piedade do povo de Deus.
Antes de entender o que o jejum bíblico representa, precisamos eliminar os equívocos.
Jesus, ao dizer “quando jejuardes”, não desperdiça tempo explicando o que é o jejum, pois os seus ouvintes já sabiam disso. O que Ele faz é corrigir a maneira errada de jejuar, denunciando o engano daqueles que o transformaram em prática exterior, vazia e hipócrita.
Mas hoje, em meio a tantas práticas errôneas, precisamos reforçar aquilo que, nas Escrituras, é claro.
1. O jejum não é simplesmente deixar de comer:
Se fosse apenas isso, não se distinguiria em nada de um jejum médico, feito antes de um exame de sangue. O jejum bíblico não tem finalidade fisiológica, clínica ou estética, ele é espiritual.
2. O jejum não uma abstinencia parcial:
Muitos pregam o jejum parcial como uma forma de você se abster daquilo que mais ama por amor a Deus. Algo como como “vou ficar sem chocolate”, “vou evitar o refrigerante”, “vou deixar o café” ou “vou tirar o doce por uns dias”. Essas abstenções não são jejum bíblico.
3. O jejum não relacionado ao alimento:
Tampouco é jejum “de atividades”, como deixar de assistir filmes, de jogar videogame, de usar o celular, ou de acessar redes sociais. Abster-se dessas coisas pode até servir como um exercício de disciplina, mas não é o jejum que Jesus ensina.
O verdadeiro jejum bíblico não é sobre tirar algo que eu gosto, e sim sobre negar algo que eu preciso, o alimento. Ele é um ato de consagração, não de conveniência.
O jejum não é uma dieta.
Não é um método para emagrecer, desintoxicar o corpo ou controlar o metabolismo.
Quando o corpo se torna o centro da prática, o propósito se perde.
O jejum não foi instituído para transformar o corpo, mas para transformar o coração.
Não é um sacrifício para impressionar Deus, nem uma forma de barganhar bênçãos.
O jejum verdadeiro é um ato espiritual de submissão, um tempo de rendição total, no qual o corpo é colocado sob autoridade do Espírito.
O jejum bíblico é a abstenção total e ocasional de alimento, com o propósito de submeter o corpo ao domínio do espírito. É uma disciplina espiritual pela qual sujeitamos a carne às realidades do Espírito. Paulo ensina que existe em nós o homem carnal e o homem espiritual — e ambos lutam entre si. O jejum é o meio pelo qual o crente esmurra a carne, como o apóstolo diz, e fortalece o espírito.
Enquanto o Espírito Santo habita em nós, ainda carregamos a natureza caída de Adão. Jejuar é dizer ao corpo: “você não governa mais sobre mim”. É colocar a carne sob obediência à vontade de Deus. Portanto, todo crente que não jejua caminha em carnalidade. Não há como ser verdadeiramente espiritual sem jejuar.
Séculos antes, Deus já havia deixado claro, por meio do profeta Isaías, que o verdadeiro jejum não era sobre aparência, mas sobre arrependimento e transformação.
O povo de Israel jejuava para ser visto, esperava recompensas, mas o coração continuava duro, egoísta e injusto.
O Senhor, então, os confronta:
“Por que jejuamos nós, e tu não atentas para isso? [...]
Eis que, no dia em que jejuais, achais o vosso próprio contentamento [...]
Eis que para contendas e debates jejuais, e para ferirdes com o punho da impiedade.
[...] Porventura não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade, que desfaças as ataduras do jugo, que deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo?
Porventura não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desterrados?
Quando vires o nu, o cubras, e não te escondas daquele que é da tua carne.”
(Isaías 58.3–7)
Isaías mostra que o jejum que agrada a Deus é aquele que nasce de um coração quebrantado e gera frutos de justiça, misericórdia e amor. De nada adianta deixar de comer se continuamos alimentando o orgulho, a vaidade e o pecado.
O jejum verdadeiro é aquele que liberta a alma das amarras da impiedade, que rompe os grilhões do egoísmo e que nos torna mais parecidos com o caráter de Cristo.
Então, em Mateus 6, Jesus não está apresentando um novo conceito — Ele está restaurando o sentido original que Isaías já havia revelado.
Enquanto o povo do Antigo Testamento se perdeu na aparência, e os fariseus da época de Jesus transformaram o jejum em espetáculo, o Senhor traz de volta a essência:
“E tu, quando jejuares, unge a tua cabeça e lava o teu rosto,
para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto;
e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará.” (Mt 6.17–18)
O jejum que Deus escolhe é aquele que ninguém vê, mas que o Senhor reconhece.
É o jejum feito em secreto, com lágrimas silenciosas, com o coração contrito, com o espírito humilde.
É o jejum onde a alma se curva diante de Deus e se levanta transformada.
O jejum está sempre associado à oração. No Getsêmani, Jesus pediu que Pedro, Tiago e João vigiassem com Ele, mas eles dormiram. E quando o Senhor os despertou, disse:
“O espírito está pronto, mas a carne é fraca.”
Essa frase resume o conflito que habita em nós. A carne resiste, mas o espírito deseja as coisas do alto. Quando jejuamos, damos força ao espírito. Tornamo-nos mais sensíveis à vontade de Deus e passamos a discernir espiritualmente as situações da vida.
Paulo escreve em 1 Coríntios 2:14 que “as coisas de Deus se discernem espiritualmente”. Quem jejua passa a discernir a vida de modo espiritual; quem não jejua, confunde crer com apenas acreditar.
Crer é se submeter a Cristo, viver por Ele. Acreditar é apenas reconhecer que Ele existe — e até os demônios fazem isso. Por isso, quem jejua crê; quem não jejua, apenas acredita.
A palavra “santo” significa separado.
Jejuar é abrir mão de um prazer legítimo — o alimento — para se consagrar a Deus. É um tempo de separação, de contrição e de dependência.
Enquanto o mundo busca saciar todos os desejos, o cristão, em jejum, declara:
“Minha satisfação está em Cristo.”
Essa prática nos faz viver como peregrinos e forasteiros, conscientes de que pertencemos a outro Reino. Quando jejuamos, parecemos mais cidadãos do céu do que cidadãos da terra.
Em Lucas 10, Jesus enviou setenta discípulos para evangelizar. Eles voltaram alegres, dizendo:
“Senhor, até os demônios se nos submetem pelo teu nome!”
E Jesus respondeu:
“Eis que vos dei autoridade para pisar serpentes e escorpiões e sobre todo o poder do inimigo…”
Mas mais tarde, em Mateus 17, algo diferente acontece. Um pai leva seu filho endemoninhado aos discípulos, e eles não conseguem libertá-lo. Jesus, então, repreende-os duramente:
“Ó geração incrédula e perversa, até quando estarei convosco?”
Depois, em particular, os discípulos perguntam:
“Senhor, por que não pudemos expulsá-lo?”
E Jesus responde:
“Esta casta não se expulsa senão por meio de oração e jejum.”
Perceba: os mesmos discípulos que antes haviam expulsado demônios agora estavam impotentes. Eles perderam a autoridade porque perderam a vida de oração e jejum.
Assim também é conosco. Uma igreja que não jejua é uma igreja fraca.
Um crente que não jejua é um crente sem poder.
A autoridade que Cristo nos concedeu é mantida pela comunhão e pela dependência d’Ele, e o jejum é um dos meios pelos quais essa autoridade é preservada.
O jejum é uma prática espiritual indispensável.
Ele não é uma obrigação ritual, mas uma expressão de fé e amor a Deus.
Jejuar é declarar: “Senhor, mais do que o pão, eu preciso de Ti.”
Quando jejuamos, nos tornamos mais espirituais, mais santos e mais úteis ao Reino de Deus.
Aprendemos a discernir as coisas do alto, a dominar a carne e a viver com poder e autoridade.
Por isso, o chamado de Jesus permanece:
“Quando jejuardes…”
O jejum não é opcional. É parte da vida do cristão que deseja se parecer com Cristo, que vive para a glória de Deus e que entende que o Reino, o poder e a glória pertencem somente a Ele.
Que Deus te abençoe em Cristo!
