Bem-aventurados os que Têm Fome e Sede de Justiça

“Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.” (Mateus 5:6)

Hoje avançamos para o quarto degrau da escada espiritual que Jesus nos apresenta no início do Sermão do Monte. Uma escada que, como já ensinamos, não é desordenada — cada degrau só se alcança depois do anterior.

É impossível alguém chegar a ter fome e sede de justiça sem antes ter sido despido do orgulho no primeiro degrau, ter chorado pelo seu pecado no segundo e ter sido domesticado pela mansidão no terceiro. Só depois de passar por tudo isso é que o coração começa a clamar com fome e sede pela justiça do Reino.

Fome e sede: instintos mais fortes da raça humana

Jesus, o Mestre perfeito, escolheu falar de fome e sede porque são os instintos mais veementes do ser humano. Não importa o século, a cultura ou o país — todo ser humano conhece a urgência de saciar a fome e a sede.

E o que Cristo quer nos ensinar é que a vida cristã não é um campo neutro, não é um simples “estar no Reino” como quem frequenta um clube. É uma questão de sobrevivência espiritual. Quem tem fome e sede de justiça faz de tudo para ser saciado, porque se não for, morre espiritualmente.

O verbo usado por Jesus aqui no original grego não fala de uma fomezinha qualquer ou de uma sede superficial. São palavras que descrevem um estado intenso, quase mortal, como o de alguém que está prestes a desfalecer caso não coma ou beba logo. Jesus está dizendo: bem-aventurado é o crente que entende que sem a justiça do Reino, ele perece.

Mas que justiça é essa?

Precisamos tomar muito cuidado, porque esse é um dos textos mais distorcidos pelos cristãos. Muitos lêem “justiça” aqui e acham que se trata de vingança pessoal — de desejar o castigo de Deus sobre quem nos fez mal. Já vi gente até recitando o texto com raiva: “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos!”, quase sentindo o gosto da vingança. Mas isso não é bíblico.

Vingança é o exato oposto do ensino de Cristo. É agir movido por ódio, tomando nas próprias mãos o papel que só pertence a Deus: “Minha é a vingança, eu retribuirei, diz o Senhor” (Rm 12:19). Vingança é sempre uma tentativa humana de trazer sofrimento ao outro — e Jesus nos chamou justamente para morrer para essa forma de justiça carnal.

Também não se trata aqui de uma justiça social ou judiciária em primeiro plano. Não é uma fome e sede para ver “o outro” pagando o que deve. A fome e sede de justiça que Jesus prega é, antes de tudo, para mim. É a fome pela justiça de Deus aplicada à minha vida.

A justiça de Cristo: imputada, implantada e desejada com urgência

A justiça mencionada por Jesus aqui não é qualquer tipo de justiça — e também não é apenas uma ideia doutrinária. Ela tem três dimensões centrais para a vida cristã.

1. Justiça imputada

É a justiça que recebemos de Cristo pela fé. É o milagre da salvação. Como Paulo escreveu: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus” (Rm 5:1). Não é justiça própria. Não é mérito. É atribuição graciosa de Deus a pecadores indignos. Somos aceitos, perdoados, declarados justos diante do trono porque Cristo se fez pecado por nós.

2. Justiça implantada

Essa justiça não fica parada como uma doutrina num livro. Ela é implantada na vida do crente. Como Paulo explica em Efésios 4:22-24, o novo homem é criado segundo Deus, “em justiça e santidade da verdade”. Quem nasceu de novo tem sede de ver a justiça de Cristo viva dentro de si — moldando caráter, purificando palavras, guiando atitudes e restaurando hábitos. Não basta saber. Quem tem fome e sede quer viver essa justiça.

3. Justiça desejada com urgência

E aqui está o ponto que Jesus ressalta: fome e sede. Não é uma curiosidade religiosa, não é um leve interesse espiritual. É desespero. É sentir que, sem a presença dessa justiça, se morre.

Jesus está dizendo: “Bem-aventurados são os que sabem que, se não forem transformados por essa justiça, não sobreviverão espiritualmente.” É como o salmista no Salmo 42: “A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo.”

Fome e sede são sinais de vida. O morto não sente fome. Se você não tem desejo pela justiça de Deus, pela santificação real — se passa dias, semanas, meses tranquilo, sem incômodo com seu pecado — talvez sua alma esteja doente. Quem está vivo espiritualmente sente fome da presença de Cristo todos os dias.

Não é sobre o outro, é sobre mim

Essa fome e sede não têm como alvo o outro. Jesus não está falando da justiça que condena seu vizinho, ou pune quem te fez mal. Ele está falando de uma justiça que começa no meu interior.

Não é “Senhor, castiga aquele que me feriu.”
É: “Senhor, implanta em mim a justiça do teu Reino, porque se o Senhor não transformar meu coração, eu não aguento viver assim!”

Não é fome por ter razão, por parecer santo, por ser elogiado. É fome por ser santo, mesmo que ninguém veja. É fome de ser encontrado em Cristo, e não na performance religiosa.

Jesus dirá mais adiante: “Buscai, pois, em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça...” (Mt 6:33). Isso confirma que essa fome é prioridade, não um adereço.

É possível alguém estar no meio da igreja, cantando sobre o Reino, participando do Reino — mas sem pertencer a ele. João fala dos que saíram do nosso meio porque nunca foram de fato dos nossos (1Jo 2:19). Paulo lembra que nem todo israelita era filho da promessa (Rm 9:6).

Não basta ter cultura de Reino. É preciso ter fome e sede da justiça do Rei, que transforma quem somos por dentro.

E qual a promessa?

A resposta de Jesus à fome e sede por justiça não é migalha, não é pouquinho. Ele promete saciedade. E o termo que Ele usa no original grego é muito forte: chortazō — um verbo que descreve ser alimentado até a alma se satisfazer, como um banquete completo em que ninguém sai com fome. Na cultura grega, essa palavra era usada até para descrever a plenitude dos deuses do Olimpo. Mas Jesus a aplica a nós, pecadores resgatados, dizendo que seremos completamente satisfeitos.

Isso significa que Deus responde a essa fome com fartura espiritual real. A alma que clama por justiça será preenchida — não com justiça própria, não com justiça aparente, mas com Cristo mesmo, que é a nossa justiça (1Co 1:30).

A promessa não é só para o futuro. Ela já começa aqui. Todo aquele que nasceu de novo e tem fome de justiça experimenta, ainda nesta vida, momentos de plenitude espiritual, onde o coração é tomado por uma alegria que o mundo não entende.

Mas essa fartura é também escatológica. Um dia, seremos completamente libertos do pecado, da carne, do mundo e da injustiça. Estaremos no Reino de Cristo, vendo com os olhos aquilo que hoje só tocamos pela fé. E naquele dia, a promessa será plenamente cumprida:

“Jamais terão fome, nunca mais terão sede... porque o Cordeiro que está no meio do trono os apascentará” (Apocalipse 7:16-17).

Essa é a beleza da promessa. Não é você quem se alimenta. Deus é quem te farta. Ele é o pastor, Ele é a mesa, Ele é o pão, Ele é o vinho, Ele é a fartura.

O Salmo 23 diz: “Preparas uma mesa na presença dos meus adversários... o meu cálice transborda.” Isso é ser farto! Mesmo diante da dor, da escassez, da perseguição — a alma está alimentada com o que vem do alto.

A maior tragédia é não ter fome nenhuma

E aqui vale um alerta pastoral: a promessa é para quem tem fome e sede. Jesus não promete nada para quem está satisfeito com sua vida religiosa, para quem acha que já está bem, que já “conhece” a Palavra, já é “maduro”, já “entendeu o Evangelho”.

A alma que vive satisfeita com a superfície jamais conhecerá a fartura do Reino.

O Espírito Santo não enche copos virados para baixo. Não farta quem não tem apetite. Mas para aquele que diz: “Senhor, eu quero ser justo, quero ser como Jesus, quero o teu caráter em mim!” — a promessa é clara: “será farto.”

Portanto, irmãos, se hoje há fome e sede em você — alegre-se. Você é bem-aventurado. Você está vivo. Você está no caminho do Reino. Continue subindo essa escada. Continue desejando ardentemente a justiça do Rei. E confie: você será alimentado. Não pela mão dos homens, mas pelo próprio Deus.

E um dia, diante do trono, você estará completamente saciado, cheio da glória dEle — e não terá mais fome nem sede, porque terá Cristo eternamente.

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